terça-feira, 21 de maio de 2013

A PROMULGAÇÃO DE LEI DECORRENTE DE SANÇÃO TÁCITA



Lei decorrente de sanção  tácita.  Ausência  de promulgação pelo Chefe do Poder Executivo e pelo Presidente do Legislativo no prazo constitucional. Necessidade e obrigatoriedade da promulgação para proclamar a existência da lei e para  a  produção dos  seus  efeitos. Interpretação do art. 66, § 7º, da Constituição da República.
Estamos  diante de  uma  situação  na  qual  o  Chefe  do  Poder  Executivo deixa transcorrer o prazo legal de 15 dias úteis sem assinar o projeto, configurando a chamada sanção  tácita,  proveniente do  silêncio.  Nesse  caso,  a  referida autoridade  deveria promulgar a lei em até 48 horas, o que não se verificou. Da mesma forma, não houve a proclamação  solene da  existência da lei  pelo  Presidente da  Casa Legislativa,  o que impediu a produção dos efeitos jurídicos do ato normativo.
Está-se diante de lei ineficaz, ou seja, que não chegou a produzir efeitos por falta de um requisito indispensável: a promulgação publicada.
O  cerne da questão  que aqui  pretendemos  desenvolver  é o seguinte:  é  lícita  a promulgação da  lei  pelo  Presidente da corporação  legislativa,  mesmo após  decorrido extenso lapso temporal desde a  sanção tácita? Ou seria mais razoável a apresentação de outro projeto de lei dispondo sobre o mesmo objeto, uma vez que o ato legislativo não adquiriu existência jurídica?
Visando  facilitar  a  compreensão da  matéria,  julgamos  conveniente dividir  o assunto em  tópicos  para  melhor  explicar  o  instituto da  sanção  e as  fases  posteriores integrativas da lei (promulgação e publicação), bem como para indicar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.
I - Sanção
A sanção é ato político de competência exclusiva dos Chefes do Poder Executivo (Presidente, Governador e Prefeito) e consiste na sua adesão ou aquiescência ao projeto aprovado pelo  Legislativo.  Trata-se de uma  prerrogativa assegurada  a esses  agentes políticos  pelo ordenamento  constitucional,  a  qual  não  comporta delegação.  É  por intermédio dela que o projeto se transforma em lei.
No Direito Constitucional positivo brasileiro, a sanção pode ser expressa ou tácita.
A  primeira  se  verifica  quando  o  Chefe do  Poder  Executivo,  observando  o prazo  legal, assina  o  projeto  e,  assim,  manifesta  seu  assentimento.  A  segunda ocorre quando  a mencionada autoridade deixa esgotar-se  o  prazo  sem  assinar  a proposição de  lei, hipótese em que o seu silêncio configura a sanção tácita.
É interessante observar que não é apenas a sanção expressa que tem o condão de transformar o projeto em lei. O silêncio do Executivo também o tem. Se o Presidente da  República,  o  Governador  do  Estado ou o Prefeito  Municipal  não  veta determinado projeto de lei no prazo de 15 dias úteis, isso significa que o projeto foi sancionado e se converteu em norma jurídica. Está apenas dependendo de ato posterior para ter eficácia, a saber, a promulgação publicada. Nesse ponto, trazemos à  colação o ensinamento do grande Mestre Manoel Gonçalves Ferreira Filho sobre a sanção tácita:
“É  tácita,  quando  o  Presidente  deixa  escoar  esse prazo  sem manifestação  de discordância (art. 66, § 3º). A ausência de sanção no prazo constitucional de modo algum faz caducar o projeto, mas o torna lei, perfeita e acabada, porque é forma silente de sanção” (In: Curso de Direito Constitucional. 20ª  ed., São Paulo: Saraiva, 1993, p. 169. Grifo nosso.) Posicionamento semelhante encontramos na doutrina do eminente jurista Pontes de Miranda, que, ao examinar o assunto, assim se manifesta:
“A sanção, ou é escrita, ou se exprime pelo silêncio comunicativo de vontade. Se deixou de  vetar,  sancionou.  Se não promulga a lei,  pois  que  lei    é, seguem-se a promulgação e a publicação, que é ato posterior à existência da lei” (In: Comentários à Constituição de 1967, alterada pela Emenda  Constitucional nº  1/69.    ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 1970, p. 191. Grifo nosso.)
II – Promulgação
A  promulgação  também  é  ato de  natureza política,  cujo objetivo é atestar solenemente  a  existência da  lei  para  a produção  de  seus  efeitos.  É  um requisito indispensável à eficácia do ato normativo. Trata-se de uma operação integrativa da lei que atesta a sua executoriedade.
Normalmente, a promulgação é ato de competência do Chefe do Poder Executivo. Entretanto, no caso de sanção tácita ou de rejeição de veto pela Casa Legislativa, se a lei não é promulgada por ele dentro do prazo legal, cabe ao Presidente do Legislativo fazê-lo.
A promulgação pressupõe uma lei já existente, um trabalho legislativo cujo ciclo de formação    se  completou na  Casa  Parlamentar.  É  incorreto  falar  em  promulgação de projeto, pois a redação do § 7º  do art. 66 da Constituição da República não dá margem a outra interpretação. O texto refere-se explicitamente à promulgação da lei, o que supõe a existência anterior da norma jurídica.
Se a sanção  é uma  faculdade  inerente aos  Chefes  do  Poder  Executivo,  que podem concordar ou não com o projeto aprovado pelo Legislativo, a promulgação reveste-se  de  caráter  obrigatório.  Essa obrigatoriedade pode  ser  explicada  sem  maiores dificuldades.
A partir do momento em que ocorre a sanção tácita, há a transformação do projeto em norma jurídica. Esta lei resultou não só de uma manifestação soberana e legítima do  Parlamento, mas  também  da  declaração de vontade  do  Chefe  do  Poder Executivo em decorrência do silêncio. Ora, se já é lei, não há alternativa senão o dever de promulgá-la. Se a autoridade do Executivo não promulgou a lei dentro do prazo constitucional, o Poder Legislativo passou a assumir a responsabilidade pela proclamação solene de sua existência. Assim, parece-nos que a promulgação é mais um dever que uma faculdade, pois  a autoridade  competente para  tanto  não pode  ignorar  um  processo perfeito  e acabado que resultou na confecção da norma jurídica.
III - Publicação
A publicação é o ato pelo qual se dá conhecimento do conteúdo da lei aos seus destinatários, tornando-a obrigatória. Enquanto a lei não for publicada no diário oficial, ela não tem validade nem pode ser exigido seu cumprimento. A partir da data em que a lei é publicada no órgão  competente,  ocorre o início de sua  vigência,  estando ela apta  a produzir  efeitos.  Assim,  uma  vez  divulgado o seu  conteúdo na  forma  legal,  ninguém poderá deixar de cumpri-la, alegando o seu desconhecimento. A matéria relativa a publicação de lei enquadra-se no campo da legislação civil. O art. 1º  da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro determina:
“Art.    -  Salvo disposição  contrária,  a  lei  começa  a  vigorar  em  todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.
Já o art. 3º  do mencionado diploma legal estabelece que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.
Verifica-se,  portanto,  que a publicação da  lei  é  requisito  indispensável  à  sua validade e eficácia, bem como à obrigatoriedade de observância de seus preceitos.
A divulgação oficial do conteúdo do ato legislativo deve ser feita pelo mesmo órgão responsável por sua promulgação.
Alguns autores, como o constitucionalista  José  Afonso da  Silva,  veem  na publicação simples fato ou mera operação material, além de considerá-la como dever do poder público e elemento integrante da promulgação. Segundo o mencionado jurista
“A  publicação  constitui  tão-só  um  instrumento pelo qual  se  transmite a promulgação (que concebemos como comunicação da feitura da lei e do seu conteúdo) aos destinatários da lei. É meio pelo qual se notifica a estes o ato promulgatório. Por isso é que dissemos que a publicação integra a promulgação,  como um de  seus elementos instrumentais  ...  Há,  portanto,  obrigação de publicar  decorrente da  obrigação  de promulgar. A autoridade que emitir o ato de promulgação tem que providenciar imediata publicação” (In: “Princípios do processo de formação das leis no Direito Constitucional”. São Paulo, 1964, p. 226-229).
IV - Posição do Supremo Tribunal Federal sobre a promulgação de lei
O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o Recurso Extraordinário nº  62.683, que teve como relator o Ministro Osvaldo Trigueiro, firmou a seguinte jurisprudência:
“Não cabe ao Poder Judiciário interferir no processo legislativo a fim de promulgar texto em lei”.
A decisão em epígrafe afastou a possibilidade de o juiz determinar ao órgão ou à autoridade  competente  (seja do  Executivo,  seja do  Legislativo)  que  proceda à promulgação da lei, pois trata-se de assunto estranho ao Poder Judiciário. Assim, não é lícita a interferência do órgão jurisdicional para exigir do Presidente da República ou do Presidente do Senado Federal, se for o caso, a promulgação do ato normativo.
O referido ministro, ao justificar seu voto, esclarece:
“O Poder Judiciário não pode  intervir  no processo de elaboração das  leis.  Sem dúvida, incumbe-lhe dizer se uma lei é constitucionalmente válida ou não. Mas não lhe é permitido ordenar ao Poder Legislativo que promulgue determinada emenda, nem ordenar ao Poder Executivo que sancione determinado projeto”. Ao nosso  ver,  a  posição do  Pretório  Excelso é compatível  com  o princípio da independência e harmonia dos  Poderes,  deixando  a  tarefa de promulgar  a norma ao órgão detentor de competência constitucional para a sua efetivação.
V - Conclusão
Foto de Jobson Melo Estrangeiro.Pelo que foi exposto ao longo deste trabalho, a nossa opinião é que projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo e sancionado tacitamente pelo Chefe do Poder Executivo foi transformado em lei, e esta, consequentemente, deve ser promulgada pelo Presidente da corporação  legislativa.  O  lapso  temporal  decorrido não o impede  de atestar  a existência da norma jurídica, visto que subsiste a obrigatoriedade de sua promulgação.
Entretanto, deve-se levar em conta que o acentuado decurso de prazo pode servir de pretexto para a não promulgação da lei, na hipótese de o texto revelar-se ultrapassado ou incompatível com a nova realidade . O princípio da razoabilidade pode afastar o dever de proclamar  formalmente a existência  da norma  jurídica.  Tal  princípio exige que  os procedimentos do poder público sejam pautados pelo bom senso, pela moderação e pela adequação entre os meios a serem utilizados e a finalidade a ser alcançada.
Finalmente, assinale-se que é irrelevante o fato de a  composição  do Legislativo que vai promulgar a lei ser diferente daquela que a aprovou, pois já houve a manifestação soberana e regular  do  parlamento  sobre  a matéria. Seus membros  são  transitórios;  no entanto, a instituição é permanente, de tal modo que subsiste o poder-dever de promulgar a lei.
Junho/2003
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Antônio José Calhau de Resende
Consultor da Assembléia Legislativa Federal


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